Matou quatro pessoas e foi absolvido por ser rico
Essa artigo foi publicado por Luiz Flávio Gomes no mês de abril, mas deixei para postar hoje em razão do Dia do Combate às Drogas que é hoje:
O
drama do castigo penal (ora barbaramente excessivo, ora
escancaradamente leniente) sugere diariamente incontáveis capítulos
novos. Vale a pena refletir sobre o tratamento vergonhosamente favorável
dado ao jovem Ethan Couch. Ser absolvido de um crime por ser milionário
não constitui nenhuma novidade. Que o diga a história da humanidade e
da Justiça criminal. Os ricos (especialmente nos sistemas penais
burgueses extremamente desiguais) gozam de muitos privilégios,
ideologicamente perpetuados nas respectivas culturas. Eles fazem de tudo
para não serem nem sequer processados (muito menos condenados).
Beccaria, já em 1764 (no seu famoso livro Dos delitos e das penas),
deplorava esse tipo de tratamento desigual. Na época, em relação aos
nobres; ele dizia que, sob pena de grande injustiça, os nobres deveriam
ser punidos da mesma maneira que os plebeus. A medida da pena, ele
afirmava, deve ser o dano causado à sociedade, não a sensibilidade do
réu (sua honra, sua fama, sua carreira etc.).
Ethan Couch, um
adolescente norte-americano de 16 anos, no Texas, conduzia seu veículo
em estado de embriaguez (três vezes acima do permitido) quando matou
quatro pessoas num acidente automobilístico. A prisão que seria a reação
natural, sobretudo se se tratasse de um jovem negro e pobre. Sendo
Ethan de uma família muito rica, a sentença do juiz foi espetacularmente
“humanista”. Fundamentação do juiz: “os pais de Ethan sempre lhe deram
tudo o que ele queria, e nunca lhe ensinaram que as ações têm
consequências. Ocupados com o seu egoísmo e as suas próprias vidas,
deixaram-no crescer entregue a si mesmo, sem lhe incutirem bons
princípios - um problema típico desse tipo de famílias, segundo o
tribunal. O menino foi desculpado, portanto” (expresso. Sapo.
Pt/matou-quatro-pessoas-masojuiz-diz-que-naooprende-por-ser-rico=f846069#ixzz2yaUIvs5r).
No
Brasil isso já ocorreu incontáveis vezes em relação aos menores ricos
(para que destruir o futuro de uma criança ou de um adolescente do
“bem”?). E vai ocorrer com mais intensidade se o legislador brasileiro
(irresponsavelmente) não resistir à tentação de reduzir a maioridade
penal (quando vamos entender que lugar de menores é na escola, não em
presídios?). Já hoje praticamente não se vê nenhum menor rico cumprindo a
“medida” de “internação”. A Justiça trata os menores milionários de
forma diferente; apenas não costumam ser tão explícitos como foi o juiz
norte-americano do caso Ethan.
Quando se trata de um pobre, por
mínima que seja a infração, a família dele funciona como agravante -
mães solteiras, pais ausentes, alcoolismo, dependência,
irresponsabilidade, disfuncionalidade; “o menor pobre nasce para o
crime”, é atavicamente mórbido etc. Tudo leva o juiz (“imparcial”) a
deixá-lo preso (“internado”) um período, para se acalmar. Nem sempre
ocorre o programado, mas o sistema penal burguês foi desenhado para
discriminar os pobres e marginalizados. O tratamento não é apenas
lenientemente desigual em relação ao rico, sim, é desigual da
intensidade das sanções contra o pobre. A mesma infração ora é perdoada,
ora é punida severamente: tudo depende quem a praticou (essa distinção,
extraordinariamente difusa nos países socioeconomicamente muito
desiguais, é que era criticada pela sensibilidade de Beccaria).
Comentários